terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Poema raro (hahaha)

( Esse poema foi escrito logo após o desastre que abalou Belém no ano passado; o desastre de carro que matou seis pessoas na estrada de Salinas. A morte por carbonização de cinco meninas de classe média mexeu com a minha cabeça, além da minha emoção. E deu nisso aí. Espero um dia escrever algo sobre a família do outro carro.)

Sobre as meninas

Ninguém viu que entre os escombros
estavam intactos os cabelos.
Cada um com sua cor natural e tez aflita.
Cada fio ainda vivo e sem risco, a carne
viva. Sobre o cinza do nada aquele brilho.

Não de osso ou de cílios, o pó,
mal-vindo à estrada aquele dia,
era de fina farpa e ironia, salto
novo e alto, e agonia.
Nem rima em si cabia. O pó era
pó, e hipocrisia.
Naquele dia sem mentiras.

Se é destino que detonem
tudo quanto for destino.
Crueldade é quando até
o rubor das maquiagens
escancara o nosso sangue,
frouxo e morno,
e não cessa.

Aí nos vêm a memória
as nossas mortes, nossos botes
de sarna, salva-vidas:
lembra do lixeiro, os buracos
no peito, a maria e os irmãos
naquele assalto, quando o homem
do quinto caiu,
e por aí se vai...

Mas estas tinham tudo.
Tinham tudo.
Então já é demais.
A dor não cabe na pele.
Nem na pauta dos jornais.
Vai nos sonhos e nos bolsos.
Nas piadas e nos fatos.
E ocupa o seu lugar.

Em todos um pouco, um tanto.
Dói. Pois de todos vai um pouco,
mesmo suspiros
no minuto de intervalo.
Mesmo somente a certeza que
é isso mesmo, meu bem.
Vire a folha e passe bem.

Meninas ricas e bonitas.
Meninas, ricas e bonitas.
Nem tanto, mesmo sendo,
ricas e bonitas,
mas meninas.
Meninas.
Ricas e bonitas.

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