terça-feira, 29 de dezembro de 2009

carlton red

o pior dos cigarros
não é a tosse
não é o preço do maço
não é o cheiro
não é a chama
não é o risco de queimar
não é o fósforo escasso
o pior dos cigarros
não passa pelo olhar
estranho dos outros
não são os desenhos
em câmera lenta
os desenhos feitos de algodão
que escapam da boca
e sobem no ar
não é o fedor
noite a dentro nos dedos
e o gosto de vício
no fundo da língua
e o gosto de vício
sobre a saliva

o pior dos cigarros
é o pior
do olhar de uma mulher
o maldito instante
em que ele é preciso
o imenso segundo
em que só ele
mais nada
é capaz de nos trazer
abrigo e nos fazer
comida
o pior
é não poder
enganar
é não poder
mentir
exatamente como
aos olhos
de uma mulher

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Pequena Cena para Teatro

Calçada em frente de um bar. Belém, 03:24 no relógio. O bar é desses fechados, que tem ar-condicionado.
Uma moça um pouco embriagada sai do lugar para fumar. Após tirar, com alguma dificuldade, o cigarro da carteira, ela nota a presença de um homem sozinho encostado num poste, bem em frente do bar.

Moça: Tem fogo?
Homem: Não (sério)
Moça: (o olha bem, dos pés a cabeça) Poxa, eu não acredito que não tens fogo.
Homem: (finge não escutar e olha o relógio do celular)
Moça: (fala com o cigarro apagado entre os lábios) Não se fazem mais homens como antigamente. Hoje em dia, só nos filmes mesmo. Só nos filmes.
Homem: O quê que só-nos-filmes?
Moça: Tu não costuma ver muitos filmes, né? (o cigarro ainda entre os lábios)
Homem: Vejo pouco
Mulher: Pois é, dá pra perceber. Hoje em dia (suspira), só nos filmes mesmo.
Homem: Nos filmes que eu vejo pessoas desconhecidas não ficam perdendo tempo batendo papo em frente de bar.
Moça: Então não viste os melhores (ela ri). Nos filmes que eu vejo, basta uma mulher fazer um pequeno gesto de quem vai tirar um cigarro da bolsa e um batalhão de homens se jogam no balcão. Um exército de isqueiros prateados nas mãos. Os olhos sedentos pra ver ela fumar.
Homem: É, tem razão, não me lembro de ver esses filmes. Mas também não faço questão. Não gosto de cigarros e ...
Moça: (interrompendo) Puta que pariu! Não gosta de cinema, não gosta de cigarro. O que tu tá fazendo aqui, hein? Na área de fumantes (solta uma risada longa)? Devia tá lá dentro, bebendo um Ice (mais uma risada). Ah, já sei, tá esperando alguém?
Homem: (cabisbaixo) É, tô esperando.. uma pessoa.

(continua)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nas noites

Nas noites são sempre
de força as minhas camisas.
Embora o meu corpo seja brisa.
Embora o teu corpo seja brasa.
Nas noites é sempre difícil
estar em casa.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Três versos

Não se faça de boa amiga
Que a vida, querida
Revida

Gênese

O amor moldou o mundo o amor mandou na casa o amor mamou nas asas
perdido em pleno ar

domingo, 13 de dezembro de 2009

amemos a pele do diabo

amemos a pele do diabo
que habita o subterrâneo de nós
e acendamos velas e janelas
aos arcanjos da vontade
sejamos os demônios da bondade
ao brindarmos aos cílios do desejo
ao lambermos as beiras do abismo
aos bricarmos em cima do cinismo
dancemos nas vidas a menos
pingadas dos medos dos dias
dancemos bem loucos, dancemos
ao menos nas festas mais frias

rimas e rumos traguemos
para enfeitar a estrada
bom nos armarmos de remos
caso a maré venha braba
sejamos o passo na calada
e o cão que pariu o amanhecer
a mão que moldou a escada
e o chão que não pode descer
sejamos o preço do avesso da verdade
sejamos os demônios da bondade
e esqueçamos de morrer

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Alguma embriaguês

Em certa medida, alguma embriaguês,
que traga o que não trago em mim,
quem sabe um trago
ou dois
me traga.

Certa embriaguês na cara
que traga o que não trago em mim

Para desenferrujar

Costumo dizer que o mês de dezembro traz um clima europeu para esta cidade. O céu acorda como se tivesse sido bombardeado por aviões alemãs na madrugada e o pó cinza, que antes era o vermelho dos telhados das casas, banha inteiramente as nuvens. Apesar disso, o solzinho macho insiste em aparecer, sabia? Saio de casa admirado com esse sol.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

tempo...tempo...tempo

Tempo tempo, mano velho, vê lá o que vai fazer com o meu olhar. É que hoje acordei me olhando no espelho do ônibus e vi o enquanto exergo melhor hoje em dia. Aos oito anos de idade eu já tinha mais de dois graus de miopia. Posso dizer que passei praticamente toda a minha infância em mundo embaçado, como se tudo fosse uma vidraça dessas de fusca no meio de um monstruoso temporal, desses temporais que caem na estrada quando voltamos de um canto qualquer pra Belém. Tá certo que uso lentes de contato; oito e meio e nove ,cada uma, respectivamente. Astigmatismo e miopia. Mas hoje pelo menos eu posso ver meu corpo e ver a borda enquanto tomo banho de piscina. Hoje eu posso ver de longe as pessoas que quero ver.

sábado, 31 de outubro de 2009

De uma moça para um rapaz

Teu amor
por mim

é tão
simples

tão
fino

tão
lindo

que me dá sono

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Poema de Juan Pablo, meu amigo

"EU QUERO UM POEMA HUMICIDA!
UM POEMA QUE DÊ VIDA

QUE TE BEIJE
QUE TE FIRA

QUE TE DEITE
TE ACORDE

QUE TE FAÇA IR AO SUL PENSANDO QUE É O NORTE "

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Odeio a palavra poesia

Odeio a palavra poesia porque não significa mais nada e finge que sim, ou pelo menos existem os que pensam que ela diz alguma coisa. E isso me irrita. Nada pior que chamar de amor o que não se pode apalpar nos dentes. O mistério, baby, o mistério...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

para uma canção

seja o meu amor
até que o amor acabe
até que ninguém mais
lhe espere no portão
até que não nos reste mais fagulhas
na fogueira
e não sejam mais que estrelas
as luzes no céu

seja o meu amor
até que a dor assuma
até que me resuma
um solo de clarim
até que seja frio o braço
da cadeira e sejam só besteira
os filmes daqui.
quem sabe, até que marte
crie climas amenos
e morrer seja o de menos
e partir seja melhor

fique enquanto for ficar.
e só.

domingo, 18 de outubro de 2009

Outro tempo

Virado ao avesso
juro que já não vibro
em fazer versos

Vai ver,
vem vindo,
e meio que sorrindo,
o tempo
de viver.

05-07-07

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Essa história de perder as mulheres- texto de Mário Bortolotto

"(...) Essa história de perder as mulheres. Nós, homens, somos sujeitos tão miseráveis que nos apegamos à qualquer migalha. Lembram de Cazuza, né? "Migalhas e restos me interessam" ou "Nosso amor a gente inventa". Ele sabia, embora dizem que não gostava muito de mulheres pra coisa em si que nos interessa tanto. Mas e daí? Acho que os sentimentos não mudam muito. A verdade é que ele entendia do assunto. Então de vez em quando acontece da gente gostar de uma mulher. Digo, gostar razoavelmente a ponto de inventar algo parecido com "amor" e idealizar histórias e fazer planos. Planos podem matar um pobre iludido. É um passo pra se sentir um grande fracassado. E convenhamos, temos talento pra isso, né? E nós temos propensão a nos iludir. E às vezes acontece da mulher também parecer gostar minimamente da gente. Aí a armadilha tá lá, sorrindo por trás da teia, sabe como é? O que nós nunca vamos entender é que as mulheres tem interesses diferentes dos nossos. Em algum momento de suas vidas, elas podem até voltar a sua atenção para sujeitos como nós que bebem sozinhos esperando vagar a mesa de bilhar. Mas elas vão se distrair em breve. Há coisas melhores por aí, desde um sujeito que sabe se vestir e falar as palavras certas até alguma marca nova de batom que só elas conseguem diferenciar. Então o melhor a fazer é beber de alguma garrafa e procurar se iludir o menos possível. Vamos continuar gostando muito delas. E não há nada que possa impedir isso. E assim vamos seguindo pro fim. Talvez algum motorista desavisado e maluco apareça e nos jogue pra fora da estrada, mas se isso não acontecer, prosseguimos em nossa caminhada de formiga cdf para o fim inevitável."

Mário Bortolotto

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Fala Hilda!

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há tanto tempo
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo

Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.(I)

Hilda Hilst

P.s: oBRIGADO, aNDRÉA!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Escritores

Hilda Hilst gostava de criar cães e de beber vinho e de sonhar que podia tudo em sua chácara no fim do mundo. Dizem as más (e também as boas) línguas que nas noites de lua cheia voava enlouquecida sobre a casa do caseiro, cantando uma canção aguda e triste, semelhante a um mantra.

Outros falam sobre sua morte.

Diz-que vestiu-se apenas com um lençol amarelado. Seis da manhã de um feriado, mesmo que todos os dias na chácara fossem feriado, foi nadar no rio que passava atrás da samaumeira. Contam, entre dentes, os empregados, que alguns dias depois encontraram piranhas mortas, abertas, inteiras, na beira, com versos saltando do bucho. Hilda gostava de poder tudo.

domingo, 11 de outubro de 2009

Um pouco de Jards Macalé e Wally Salomão

Há tempos uma canção não falava tanto comigo. Demais.



Mal secreto

Não choro,
meu segredo é que sou um rapaz esforçado.
Fico parado, calado, quieto.
Não corro, não choro, não converso.
Mascaro meu medo.
Massacro minha dor,
Já sei sofrer.
Não preciso de gente que me oriente.
Se você me pergunta
Como vai?
Respondo sempre igual,
Tudo legal,
Mas quando você vai embora,
Movo meu rosto no espelho,
Minha alma chora.
Vejo o rio de janeiro.
Comovo, não salvo, não mudo
Meu sujo olho vermelho
Não fico parado, não fico calado, não fico quieto
Corro, choro, converso,
E tudo mais jogo num verso
Intitulado
Mal secreto.


Jards Macalé/Wally Salomão

p.s: Obrigado, Juan!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ter onde se ir

"A Cabana

É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
E que tens uma esteira E que tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir"

Max Martins

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Não acredito

não acredito em futuro
nem em sola de tênis all star

ambos tentam camuflar o chão

não resisto a mentiras bonitas
nem a crimes bem contados

eles nunca são em vão

terça-feira, 6 de outubro de 2009

essa coisa

essa coisa de sentir esgota:
ex-gota de chuva
à tarde,
já secou.

nem dá pra escrever nada.

A maldição do pensar

"A maldição do pensar fez suas vítimas: em minha geração, vi muitos poetas se transformarem em críticos, teóricos, professores de literatura."

Paulo Leminski

não fosse isso

não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase

Paulo Leminski

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Conversas após a chuva ácida II

Teve aquela vez
que eu chorei um tenoné inteiro
e um paar e dois greenvile
enquanto vinha de lá
do Conjunto Maguari.
Quase um satélite, mais nem tanto,
já seria exagero.
Entroncamento e desespero;
os meus olhos no chão.

O cobrador dobrava a dor
e eu preferia assim,
"ninguém olha pra mim",
e passa e troca e guarda a grana.
Pobre moço e seu drama,
num ônibus qualquer.
A tragédia moçegava
e me cegava
pendurada
lá na porta de trás.

Chorei a almirante
mais pelo embalo
e via embaçada a ciclo via
feito vidraça e chuva.
Era tanto do poste
e tanto do carro
que até que não
me enguasgei mais.

Veio a josé malcher.
E foi mais rápido
o percurso nos cursinhos
os supermercados
e a vida em movimento.
Pensei em comprar algo
e me alegrei.
Senti o vento.
E me espertei:
o cheiro do canal.
Cheguei.
E ainda tinha coisa pra secar.

Conversas após a chuva ácida I

Ainda bem
que ela acabou comigo
do contrário
eu ia me acabar

foi melhor,
voltei a ser alado...
meio aberto
inacabado
sem risco de terminar

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sea, agora traduzida

Eu estou no meio desta estrada
Tantas encruzilhadas que já passei
Já está no ar girando minha moeda
E o que tiver que ser
Será

Todos os altos e baixos da maré
Todas as provações que já passei
Eu levo o seu sorriso como bandeira
E o que tiver que ser
Será

O que tiver que ser, que seja
E o que não, por algo será
Não acredito na eternidade dos combates
Nem nas receitas de felicidade

E quando a primavera chegar
E a sorte estiver fadada a descansar
Olho a sua foto na minha carteira
E o que tiver que ser
Será

E, o que queira acreditar, acredite!
E o que não, sua razão terá
Eu solto minha canção num redemoinho
E que escute quem a queira escutar

Já está no ar girando minha moeda
E o que tiver que ser
Será

Sea, de Jorge Drexler

Ya estoy en la mitad de esta carretera
tantas encrucijadas quedan detrás...
Ya está en el aire girando mi moneda
y que sea lo que
sea

Todos los altibajos de la marea
todos los sarampiones que ya pasé...
Yo llevo tu sonrisa como bandera
y que sea lo que
sea

Lo que tenga que ser, que sea
y lo que no, por algo será
No creo en la eternidad de las peleas
ni en las recetas de la felicidad

Cuando pasen recibo mis primaveras
y la suerte este echada a descansar
yo miraré tu foto en mi billetera
y que sea lo que
sea

Y el que quiera creer que crea
y el que no, su razón tendrá
Yo suelto mi canción en la ventolera
y que la escuche quien la quiera escuchar

Ya esta en el aire girando mi moneda
y que sea lo que
sea

domingo, 27 de setembro de 2009

Frio a dois

Sob o céu que não se sabe
se é dia ou fim de tarde
nosso frio que não se sente
nos aquece, quase arde

Reluzente, o canal da avenida
é calcanhar de dois
na madrugada refletida:

não há nada, há sóis.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Rimas

a porra é que poeta pensa

não lhe basta o penar

o preço de de ser pimenta

pondo fogo no pomar


pensa tenso este porra

treme e morre como o trema

entre "zes" fazendo zorra

pondo ponto no poema.

Brilhos

Rios
além da claridade
incluem o brilho
dos teus
olhos.

Longe quebra lá na beira a onda onde explode o mar...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Questão de talento

"Viver ou morrer é o de menos.
A vida inteira pode ser qualquer momento.
Ser feliz ou não,
questão de talento"

Alice Ruiz

domingo, 20 de setembro de 2009

Aves de asas eternas

o homem inventa palavras
aves de asas eternas
desde o começo das eras
desde o fundo das cavernas
o homem inventa palavras
falas que fogem do vento
sempre que cala o tempo
e quando queima por dentro
o homem inventa palavras
lavas não erupitadas
pingos de ouro na vala
quando já nem sai de casa
o homem inventa palavras
e tenta tentar o capeta
e busca beijar o planeta
mesmo sem tinta ou caneta
o homem inventa palavras
granizos e risos granadas
insurge e suja a sacada
mas sempre se lavra.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

para o paco

todas ligam
menos
a que eu quero-
aquela-

de todas a mais bela

e é pena
pois
a liga
só bate com ela...

sábado, 12 de setembro de 2009

fragmento noturno

...varo as madrugadas
em galáxias só minhas
entretido em entrelinhas
sem sono sem quase nada...

sábado, 5 de setembro de 2009

Em Curitiba

o paraense pede bença
no telefone público
assim que chega ao sul,
de súbito.

e pede a tia que diga
para dizer à vizinha
que quando a mãe chegar
diga que ele ligou.

traz nos passos a vontade
de assistir dias sem sol
pra ser parte da paisagem
e vestir o cachecol.

domingo, 30 de agosto de 2009

Buk

O lugar mais seguro
de qualquer lugar
é o canto escuro, sem pranto
nem muro,
do balcão do bar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Finura

Quando sinto saudade

não digo bom dia.

Em dias normais eu diria.

Mas em tais abismos,

tecidos de ternura,

prefiro doenças sem cura.



Prefiro fingir estar vivo

quando já pereço em desertos

por querer-te lisa e logo

e linda, por perto.

Por ver-te em sonhos

e ser pesadelo

ao não te sentir em meus pêlos.



Quando digo "saudade"

não é poesia.

Em linhas normais poderia.

Mas trago nas mãos

o sem porto da alma

que brinca de pira na palma.

Que quica querendo mudar

mas não chega nem chama

e dorme ao sol e ao som

de seu drama.



Coisas de peito cansado.

Sem pisos, sem telhas, sem abas, sem chão.

Que não tem como ter educação.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pobres Tímpanos Meus

vão dizer depois que era melhor ter cedido mais um pouco
ou ao menos esperar o cacto murchar antes das mãos do moleque.
vão pôr a culpa no tempo que me foi colocar jovem nos anos 2000.
vão tentar encher de pesos minha parca consciência e soletrar o futuro
em planilhas, apostilas, macetinhos de cursinho, vida em diminutivo.
vão consultar o tom de cinza dos pêlos de William Bonner
pra saber sobre o clima antes mesmo de ir dormir.
ontem mesmo ofereciam angústias a domicílio. vi, eu vi, mas não me coube
nas frestras do orçamento, nas arestas sobre os sonhos
sobre o meu chapéu de palha.
vão imaginar cidades de vontades enlatadas: funções devidamente escancaradas.
funções dessas de só interromper quando alguém que realmente quer falar abrir a boca,
dessas de tardes castradas sob calças jeans, dessas de bonecas velhas da irmã mais velha, travesseiros,
talco barla, se me faço entender. vão mover todos os lábios sem cantar.

elegiazinha

tempos atrás seria miragem
ver este blog ainda de pé,
hoje, com mais de 90 postagens,
sinto que este não é um qualquer

por mais que morra amanhã ou depois
foi bom
que bom, meu bem
ter você aqui.

uma puta barata e cigarros
pra me ouvir.

sábado, 15 de agosto de 2009

Sem firula

Só de quatro é possível
ver, de fato, o amor.
Como algumas cores do sol
só possíveis do acostamento.

Estou magro é disso.
Querer viver
as coisas de verdade.
Não que eu dê o cu,
mas por você eu dou.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Recusa

Não sou de roda
(de samba,
de bamba,
de coisa boa),
não tô na moda.

Tá foda.

De vida
meia boca,
tô fora.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Domésticaos

Nada de feitos
homéricos,
poéticos.

Meus caos
é pacato
e doméstico.

Varais

Casas molhadas
descascando ao sol.
Roupas e só.

Um pouquinho de Paulo Leminski

"Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
sempre acha o máximo.

Mal rabisco,
não dá mais para mudar nada.
Já é um clássico."

[do livro Distraídos Venceremos]

terça-feira, 14 de julho de 2009

Lembranças

Não tinha mais de treze anos aquela menina de cabelos dourados, espinhas precoces, e um jeito safado de morder o lábio inferior enquanto assistia a aula. Estávamos na sétima série, eu acho. Da minha parte, me bastariam as coxas nuas sem a calça jeans preta fascista, autoritária, careta. Aquelas coxas brancas levantando da carteira após o sinal sonoro soar. Todos iam pro recreio, todos levantavam num pulo. Eu só desgrudava os olhos e voltava a pensar quando ela cruzava a porta da sala e a bunda coberta pelo jeans preto ia viver longe de mim. Dez minutos, pelo menos, até que eu levantasse...
Lembro a primeira coisa nela que me chamou a atenção: o cigarro imaginário que fumava. Nunca esquecerei da pequena borracha na ponta do lápis roçando em sua língua, devagar...

sábado, 11 de julho de 2009

Mais do livro

Esse trecho, em particular, me causou uma identificação enorme. É ótimo quando a literatura consegue isso.

"O amor entre ele e Tereza era belo mas doloroso: era preciso sempre esconder alguma coisa, dissimular, fingir, retificar o que dizia, levantar-lhe o moral, consolá-la, provar continuamente que a amava, suportar as reclamações de seus ciúmes, de seu sofrimento, de seus sonhos, sentir-se culpado, justificar-se e desculpar-se. Agora, o esforço tinha desaparecido, e só ficara a beleza."

p.28-29, "A Insustentável Leveza do Ser"

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O livro que estou lendo

"Torturava-se com recriminações, mas terminou por se convencer de que, no fundo, era normal que não soubesse o que queria: nunca se pode saber aquilo que se deve querer, pois só se tem uma vida, e não se pode compará-la com as vidas anteriores nem corrigí-la na vidas posteriores.
(...) Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado"

"A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera.

Separações

"A separação pode ser o ato de absoluta e real união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal"

Inês Pedrosa

terça-feira, 7 de julho de 2009

A arte


“A arte só serve para alguma coisa se é irreverente, atormentada, cheia de pesadelos e desespero. Só uma arte irritada, indecente, violenta, grosseira, pode nos mostrar a outra face do mundo, a que nunca vemos ou nunca queremos ver, para evitar incômodos à nossa conciência.”

(Pedro Juan Gutierrez)

Maria Joana

Maria, eu nem queria te encontar
Nem fazia questão de te conhecer
Sempre ouvi muitas coisas ruins sobre ti,
Mulher mal falada.

Mamãe dizia que morria de medo
Papai de fato nunca falou nada
Os meus irmãos guardavam segredo
No máximo contavam piada

Os sintomas aprendi muito cedo
Olhos vermelhos, voz um pouco arrastada
Confesso sempre senti desejo
Mesmo nunca descendo a escada

Maria Joana, Maria Joana
Já já eu vou te buscar
Maria Joana, Joana Maria
Quero aprender a tragar

Maria Joana, Maria Joana
O mundo não é tão mal
Maria Joana, Joana Maria
Quem sabe a vida é igual

O peito como um corcel delirante
Galopa sem rédea ou corrente
Coração alado feito um amante
Domina os passos e a mente

Mamãe teria gostado muito
Papai eu acho que conheceu
Os meus irmãos mudaram de assunto
Percebem; algo aconteceu

Maria, hoje eu te respeito
Nunca mais te difamarei
Gostei do teu jeito em meu dedo
Amei tudo o que imaginei

Maria Joana, Maria Joana
O mundo não é tão mal
Maria Joana, Joana Maria
Quem sabe a vida é igual

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Isso é que é Lei

“Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. Só uma coisa fica proibida: amar sem amor”

Thiago de Mello

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Pois é

- Porquê tu quiseste me ver hoje?

- Como assim? Tava com saudade.

- Não é só isso. Se não tu tinhas me procurado outros dias.

- Já disse. Tava com saudade.

-Acho que não é só isso. Acho que queres alguma coisa...

- Então tá...O que eu poderia querer?

- Sexo...

-Pois é, foi o que eu disse. Senti saudade.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Devaneio

E se num lapso
lambretas aladas
cortarem o céu
enquanto tenho prazos
apertados
a cumprir?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

sem título

nem sempre colho
o que ela diz:

não é flor nem raiz,
se mente...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

AUTO-PIEDADE

Na verdade eu queria falar que ando muito cansado e triste. No máximo consigo uma euforiazinha daquelas de punheta bem batida em manhãs de domingo. Mas nada que me faça querer pular no Guamá e mandar o resto do dia se fuder, como já fiz um dia. Queria dizer que meus braços passam o dia inteiro fracos e sem vontade, que meus olhos comemoram quando eu os fecho e que eu prefiro ficar calado, o que era raro antigamente. Queria muito dizer sobre a tranquilidade que me dá quando sei que estou indo pra casa dormir. Queria poder falar sinceramente sobre o desânimo gigantesco que está tomando conta de mim nas últimas semanas. Mas acontece que eu não posso.
Não nasci para lamentos e reclamações. Não há nada que eu ache mais ridículo que auto-piedade e comiseração. Frescura. Odeio essas palavras, e ainda mais quando as identifico em mim. Outra que não me engana é "pessimismo". Pra mim estar vivo é ser otimista. Fundamento toda a minha vida nisso. Já que eu preciso fazer alguma coisa, que dê certo. Não tem outra opção, embora o certo que dê nem sempre seja o esperado. E é até melhor que não seja. O Gramsci disse um negócio que eu gosto: "pessimismo na cabeça, otimismo na ação."O teatro também me ensinou sobre isso. O corpo deve ser otimista, os gestos devem ser otimistas, o resto às vezes não importa. O pessimismo é um gol contra planejado.
É por isso que não consigo lamentar. E nem procuro. Nada melhor que o cinema nas horas em que a tristeza bate. O "Feliz Natal", filme dirigido pelo Selton Melo, por exemplo, me deu excelentes pretextos para chorar, desabafar e tudo mais. Assim eu mesmo não me pego com pena de mim.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Ditado Impopular III

"Um homem é aquilo que as mulheres que ele ama fazem dele. "

Domingos Oliveira

terça-feira, 9 de junho de 2009

Bandeira ao vento, pra sempre

A morte do Walter Bandeira me fez pensar em muitas coisas, e acho que foram essas coisas que me levaram, meio que involuntariamente, ao teatro Waldemar Henrique há uma semana. O velório me fez pensar no quanto eu fui burro por não o ter conhecido pessoalmente, apesar das muitas oportunidades que tive. É verdade que a culpa não é exatamente minha. Explico: talvez seja fácil e soe até um pouco falso dizer isso, mas é a verdade; sou um grande fã da voz do Walter Bandeira.
Desde os 14 anos que escuto um disco do Guilherme Coutinho, músico genial de Belém que morreu muito cedo, no qual o Walter canta todas as faixas, exceto as instrumentais e as cantadas pelo próprio Guilherme. E adoro demais este disco. Ele é histórico e acho que poucas pessoas o têm. Foi feito pela Assembléia Paraense, ainda no começo dos anos 90. Seria muito bom que outras pessoas podessem conhecê-lo. Neste disco Walter mostra porque era verdadeiramente o nosso melhor cantor, além de grande compositor também (ouça a canção "Me ver em você", que também foi gravada pelo Maca Maneschy com participação Dele). Por saber de tudo isso é que eu ficava muito tímido toda vez que o via. Lembro dele sentado na frente da Escola de Teatro, fumando nos pequenos degraus enquanto eu passava olhando, pensando naquele cara ali. Lembro de vê-lo entrando num táxi e indo embora. Gostaria muito de ter conversado com ele. Mas não adianta mais lamentar.

Abaixo reproduzo o trecho de uma entrevista sobre algo que ando pensando ultimamente. Grande abraço, Walter Bandeira.

Repórteres Sergio Palmquist e Walter Pinto.
Muita coisa mudou em Belém nos últimos anos, da ditadura à democracia. A cabeça do belenense mudou também?

WALTER BANDEIRA
O fato de existir a repressão mobilizava mais as pessoas. Era uma coisa que me mobilizava, mobilizava um Chico Buarque, por exemplo. Hoje, quando as pessoas falam, você percebe que elas não têm idéia como era. Acho que as pessoas estão muito moles. Estão acomodadas. Eu fico preocupado quando vejo um jovem sem nenhum tipo de rebeldia porque é um dado biológico do jovem ser rebelde, contestar. O que está acontecendo hoje é muito superficial, é colocar um piercing no nariz, um comportamento tribal, uma coisa não muito produtiva, fechada. Não que tenha nada contra, só estou mapeando. Antes a gente se envolvia mais com as questões sociais. Até eu, que nunca fui político, nunca fui de esquerda, nunca fui bicha alienada – do que me gabo muito porque é preciso peito para não ser -. Então essa coisa de tribo fica ali, acaba ali, não vai a lugar nenhum. Isso é uma coisa que eu me pergunto: porquê?

Dia de merda

Mal-dormido
Mal-amado
Mal-comido

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Linda música

Três travestis

Três travestis
Traçam perfis
na praça.

Lápis e giz
boca e nariz,
fumaça.

Lótus e liz
Drops de aniz,
cachaça

Péssima atriz
Chão, salto e triz,
trapaça

Quem é que diz?
Quem é feliz?
Quem passa?

A codorniz
O chamariz
A caça

Três travestis
Três colibris
de raça

Deixam o país
E enchem Paris
de graça

Caetano Veloso

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ditado Impopular II

"Nenhuma mulher presta, Abílio.
Nem as melhores."
by Naiana Cruz

Ditado Impopular I

"Algumas palavras são perfeitas
quando não são ditas"

by Andréa Mota

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Obsessões- A VELHICE

Hoje começo uma sessão de textos novos neste blog. Chama-se "Obsessões" e surge com um objetivo puramente individualista, auto-investigativo, eu diria. No entanto, acredito que sirva como um registro para os que mantêm interesses em relação ao funcionamento da mente humana e aos nossos colegas que, num futuro distante ou em outras galáxias, acabem esbarrando com estas mau-traçadas linhas virtuais. Freud é a musa inspiradora dessa sessão de textos. Sabendo que nunca terei coragem ou inteligência ou disposição suficientes para frequentar um psicanalista, resolvi fazer deste espaço on line o meu divã. Um divã cínico, é claro, mas ainda analítico. Meus pudores talvez me impeçam de lidar com obsessões mais complicadas, cabeludas, mas com outras tantas acho que posso lidar.
A velhice é um tema que me persegue. Seja em filmes, peças, poemas, fins-de-semana, cemitérios, aniversários. O desenho das rugas nos rostos, os primeiros esquecimentos involuntários, as repetições de histórias. Fatores e situações como essas me causam verdadeiro fascínio desde criança. Lembro do dia em que percebi que eu também envelheceria. Eu era apenas uma criança brincando numa piscina de plástico com primos e primas no quintal da casa de uma tia-avó. Estávamos há pelo menos três horas ininterruptas na água. Não lembro bem qual de nós percebeu." Olha, como tá o teu dedo, Abílio! Engilhado que nem o da vovó!" Os dedos da vovó. Os meus dedos. Um raciocínio fluiu como um fio d'água. Os meus também um dia ficariam assim; frouxos, secos, engilhados. O tempo seria como uma piscina de plástico. A gente cresce mas a água continua lá. Até que o corpo engilha todo e fica feio, frouxo, seco. E a nossa cabeça esquece o nome dos netos. E o nosso peito não respira tão bem.
Minha convivência com meu avô em seus últimos anos de vida talvez tenha contribuído para esta minha obssessão. Seus aborrecimentos, seus incômodos, suas lembranças, fazem tão parte de mim quanto os meus incômodos, minhas lembranças, meus aborrecimentos. Meu avô se mostrava parte de um mundo que não existia mais, exatamente como eu me sentia em minha pré-adolescência. Que coisa mais ridícula; no fundo a pré-adolescência é só uma parte metida da infância. E mais perdida. O começo da encrenca. O fim estava com o vovô. Era isso que nos unia.
Dois anos depois da sua morte eu interpretei um velho de 80 anos no teatro. Ainda hoje encaro a "Casa das quatro estações" como o meu último adeus ao velho Abilhão, apesar de odiar o título. Inconscientemente, armei tudo como uma bela despedida. Hoje, dois anos depois da encenação da peça, enxergo claramente que, no fundo, o meu objetivo era chegar mais perto do velho que
o meu avô criou em mim.
Ah, os velhos andam surpreendendo.Dias atrás comentei com alguém que os jovens dos anos 60 hoje são os velhos 2000: revolucionários e desconcertantes, como os outros. São uma velhice inédita na história ocidental. Inclusive por seu aspecto monstruoso. Um exemplo que um dia se tornará clássico é a atriz Suzana Vieira. Acho difícil imaginá-la em outra época. Alguns casos semelhantes podem ser identificados, admito. Mas longe de apresentar os elementos estéticos, cênicos e dramáticos tão fortes quanto Suzana; um personagem que nasce por um misto de hedonismo, ousadia e narcisismo que só poderiam coexistir em nosso tempo.
E Bob Dylan? E Caetano Veloso? E Ney Matogrosso? O primeiro surpreende por continuar cantando mal e ainda sim figurar entre os mais originais e ativos (diga-se, de passagem) compositores do velho e do novo século. "Modern Times" é um disco imortal que torna-se onipresente para quem o consegue sentir. Caetano é acusado de ter caducado. Para mim, caduco ele já era há muito tempo. O Tropicalismo nada mais é que uma doce brincadeira caduca. Portanto, Arte, se permitem minha definição petulante. Assistir o seu show, no último final de semana, foi uma das experiências mais revigorantes e inspiradores que já tive em minha vida. Ver aquele senhor de cabelos grisalhos rebolando provocadoramente no palco com uma flor entre as pernas e perguntando "Eu sou neguinha?", me fez sorrir e pensar; "o velho aqui sou eu". Foi nessa hora que começei a pular.
Não vou falar do Ney Matogrosso. Seria covardia demais.

Cine Líbero

O braço da poltrona do cinema
está vazio,
vazio...
Um mundo inteiro de braço só meu.

Acaba o filme. Levanto.
Comento comigo o final.
Me espero sair do banheiro
e me levo,
de mãos magras,
para a casa.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Coisa Pouca

Nada de palavras
nesta sexta-feira à noite,
só o ritmo dos passos
gêmeos ímpares calados,
um silêncio de manhã.

Esta sala não me cabe
em seu número de lados.

Pouco foi dito das luzes
vistas deste meu andar
e das pessoas pequeninas
que exibem suas sombras.

Pouco se vê dos abraços
doidos pra entrar no quarto
e pelos desejos fartos
fazer toda luta vã.

Esta sala não me vale
com seu vale de enganos

Nada de pequenas causas
nesta noite lancinante
sem entrega ao tal amante,
só o cheiro de viagens
e olhares abraçados
esquentando o colchão.

Muito foi dito das pontes
e granadas sobre o rio
e das ilhas sob a chuva
quando em nossas madrugadas

Muito visto sobre a pele
a ardência adolescente
que me faz rodar ardente
quando suspiras assim.

Esta sala nada sabe
do meu gozo e do teu beijo.

sábado, 16 de maio de 2009

Definição

A negação consiste simplesmente
No ato verticida de mover a vista
Para onde deslizam os pés.
Pode-se exercê-la tanto

Como arma decidida,
Fera viva,
forte
e resolvida,
Quanto apenasmente em pura
Falta de opção.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Canários

Pode até tentar fugir, meu bem,
Mudar a rota, o caminho da rotina,
Isolar a briga da vida com a sina.
Do destino retirar o chão.

Quem sabe sirva
A toca quentinha do quarto,
a saudade num retrato,
Ou talvez
uma nova e genial
inovação.

A raiva vai também
Tentar lhe ajudar
E pôr as coisas no lugar
Fazendo mar virar sertão

Mas não se iluda, não

Esse seu peito bravio
é apenas sofrido.
Canários não cantam
em fones de ouvido.
E não repetem a canção.

Sem voz

O ritmo dos dentes
tranca
a trama do teu falar
e, de uma vez,
me atrapalha.

Fico eu sem poder
entender
o teu lábio
de cima secando
dançando
no ar.

A tecla do mute
apertada.

Do Tratado sobre a tolerância, de Voltaire

"O grupo que hoje diz:
'crê como eu creio, ou Deus te condenará'.
Poderá mais tarde dizer:
' crê como eu creio, ou irei assassinar-te"

terça-feira, 5 de maio de 2009

Dizer o quê?

[...]
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.

(Álvaro de Campos)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Ecumênico

deus não é um qualquer
pode até ser mulher
diz-que deu e não deu
deus às vezes não quer

deus não é delator
e não quer minha dor
mas é deus e doer
só lhe dá mais valor

vive aqui e se vai
e é visto sem zoom
e não cega nem mata
o deus de qualquer um

terça-feira, 28 de abril de 2009

Esses dias

Quando tudo der errado

Ponha os óculos escuros

Se não livram dos apuros

Pelo menos dão um charme

Leminskiano

De tanto não ser tão estranho
Entranhei em mim o manto
Maculado de espanto
Que eu quis sempre usar

Sob os erros do sovaco
E o horário dos mamilos
Escondi os meus perigos
Minhas taras de viver

Hoje já não faz sentido
Condenar minha loucura
À vergonha da tortura
Essa coisa de esconder

Juro, eu vou quebrar telhados
E desafiar os gatos
Ser um bêbado alado
Ai de quem não me seguir

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Enorme Citação

Bem, meus poucos, porém fiéis, leitores deste espaço virtual. Hoje vou ceder a palavra para um dos maiores artistas brasileiros vivos, o ator e diretor de cinema e teatro, Domingos Oliveira. Se não conhecem a sua obra, por favor, não percam tempo. Seu blog é www.dodomingosoliveira.blogspot.com .

Vai que é tua Domingos.

CARTA ABERTA AOS ARTISTAS DE VERDADE OU OS OPERÁRIOS DA CATEDRAL

Se você tem certeza que é um artista de verdade, que sua razão de ser é a Arte, que sem a Arte você morreria, leia isso: É um chamado, uma convocação. Pouca gente sabe o que é a Arte. E, no poder, quase ninguém. Por isso acontecem absurdos como essa badaladíssima discussão. Juca Ferreira versus Lei Rouanet. E a coisa da OS (Organizações Sociais). São movimentos atuais que em resumo consistem em entregar o dinheiro disponível para a Cultura, através de várias Leis e processos, para o Governo. Aumentar o Poder do Governo, confiando em seus critérios para julgar. De que modo deve ser usado o dinheiro público (isenção de impostos ou outras coisas). É claro que os destinos do cinema e teatro brasileiros não devem continuar sendo regidos por diretores de departamentos de marketing (embora eles tenham se comportado, até hoje, razoavelmente bem). Como este ponto é indubitável, J Ferreira ganha sempre as discussões, posto que está com a razão. O dinheiro público deve ter a tutela do governo, para que possa ser aplicado no bem comum. E nesse tipo de teoria, perdemo-nos todos em reuniões infindavelmente monótonas e vazias de conteúdo. Claro que o dinheiro da Arte e da Cultura deve ser comandado pelo Governo. A propósito, deve ser dito que já é. Posto que os maiores patrocinadores são estatais (Petrobrás e outras). Não é importante saber se o dinheiro fica com o Juca Ferreira ou com a Petrobrás. O importante é saber o que eles vão fazer com isso. E eis que chega a pergunta que ninguém faz, por falta de coragem:
- Que tipo de filme ou peça o ministro JF acha que deve ser produzido? Quem vai levar o dinheiro? É isso que interessa. O ministro imediatamente argumentará que essa decisão não é dele, e sim das comissões que constituirá. Será uma inverdade quando ele disser isso. Perigosa inverdade. As comissões são controladas por quem as nomeia. Sendo sempre altamente manipuláveis. De modo que é preciso saber qual é o gosto pessoal do Juca. Que concepção ele tem da Arte e da Cultura. Observemos que começa aqui a fatal confusão. A Arte faz parte da Cultura, mas não é a Cultura. É maior e mais importante que a Cultura, ou pelo menos pertence a outro departamento. Cultura é Educação. É uma coisa que se preocupa, que aprende, que bebe na fonte do passado. A Arte é a locomotiva da Cultura. É o arauto que anuncia o futuro. A Arte diz respeito àquilo que não existia ainda, e está sendo criado. A Arte defende a humanidade.
Quando escrevo essas palavras estranhas, pressinto a incompreensão. São transcendentes, confesso. A Arte é transcendente. É a mais forte arma de comunicação, recurso didático para tornar os homens civilizados. A Arte ensina aos homens seus maiores valores. O amor, a dignidade, a honra, o patriotismo, a cidadania, a solidariedade. Por causa deste nobre alcance, a Arte jamais é citada em debates públicos. A massa burguesa da maioria encarregou-se nos últimos séculos a desmoralizar a palavra Arte. Segundo estes tolos, a Arte é uma coisa desnecessária, fútil, em geral exercida por gente que não gosta de trabalhar. Quando, na verdade, a Arte é o único trabalho verdadeiro. Se você não entende essas palavras ou se elas irritam, pare de ler esse artigo já. Ele não é pra você. Você pode ser um bom sujeito e até um pensador lúcido, mas não é um artista.
Juca Ferreira é um homem forte. De um carisma notável, eloqüência, e, por que não dizê-lo, simpatia irresistível. É preciso saber de um homem desses o que ele entende por Arte.
Repito. Que filmes e peças deveriam ser feitos com o dinheiro público, segundo a opinião pessoal dele?
Para exigir a resposta dessa pergunta, convoco meus pares, os artistas, a repercutir esse artigo. Faz anos que preconizo a existência de um Ministério da Arte. Todos tem medo de mim e preferem me achar ridículo, pensar que estou brincando. Não estou. Penso que a Arte é o que sustenta a Cultura, o que a leva para frente. Não existiria o cinema e o teatro brasileiro sem Glauber Rocha e Nelson Rodrigues. É o artista que tem que ser protegido pelos governos.
Não pensem que puxo a sardinha. Os bons artistas, como eu e muitos, sobreviverão de qualquer jeito. Com Ministério ou sem, não importa as reuniões de Juca Ferreira.
É a Arte que vai abrir os mercados internacionais. É a Arte que nos dará o respeito do público. A Arte é o retrato do país. Um país pobre como o nosso não pode gastar dinheiro público com filmes e peças ruins. Somente devem ser feitos peças e filmes bons! E quem vai decidir o que é bom ou ruim, pergunta o leigo incauto. Ele responde: Isto não pode ser posto em Lei, é subjetivo. Engano fatal. O único que pode julgar a arte é o artista. E não é difícil reconhecer um artista, a primeira vista. É aquele que ama realmente a humanidade e constrói uma obra sobre esse amor.
Atualmente, a palavra “diversidade” sacralizou-se. Quem duvidar disso, morre. Concordo com a diversidade. Mas ela está abaixo do critério da Arte.
Todas as comissões propostas são mistas: minoria dos artistas, maioria de burocratas ou técnicos interessados no assunto ou no prestígio. Isto está errado. Os verdadeiros artistas devem ter a maioria de qualquer comissão, porque somente eles entendem o que é a Arte. É pretensão de outros querer julgar a atividade artística.
Enfim, as palavras cansam.
Sei que somente serei entendido pelos artistas de verdade. Para eles que escrevo e peço que não me deixem sozinho e repercutam, a seu modo, esse meu artigo. Tenho certeza que vocês concordarão, sendo artistas verdadeiros.
Na prática, confesso que sou a favor do Juca e das OSs. Um homem deve lutar pela Lei correta. E depois lutar, mais agressivamente ainda, contra aqueles que aplicam mal a Lei. Essa é uma briga que vem depois. Apesar de que eu, artista, não tenho tempo pra isso. Minha obra me espera. Tenho pouco tempo. A eternidade seria pouco...
Somente a Arte salva, sem a Arte não há salvação.
“Oh, minha alma! Não aspira a vida imortal, porém esgota o campo do possível” (Píndaro)
Por favor, repercutam, companheiros.

Com todo respeito ao ministro, e até confiança,
Domingos Oliveira.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

a minha juventude vai durar/ quase toda a minha vida/ vai ser agonia até jorrar/ amor, gengibirra/ de toda conversa/ medida sem pressa/ e sem confessa/ nem confessionário me faz falar

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Amanhecer e ver o rio ali, vivo.

O Encontro Regional de Comunicação tem cheiro, tem peito, tem vida. Não é apenas uma reunião passageira de um monte de gente que não tem o que fazer. É um encontro. Um confronto pacífico de pessoas diferentes, nascidas em lugares e histórias diferentes, mas que estudam e discutem, e tem coisas a dizer, sobre os mesmo assuntos. Se refletir é essencial para tentar entender e intervir em qualquer problema ou assunto dessa vida, encontrar o outro e reconhecer-se nele é inevitável para o crescimento dessa reflexão.
Mangueira é o nome da cachaça que o menino da delegação do Piauí botou em minha mão. Tem um gosto amargo e forte, de coisa queimada. Alda é o nome da menina que canta Caetano Veloso como quem nina um bebê. E Imperatriz, no Maranhão, é longe, muito longe... Procuro fazer silêncio, achar uma posição confortável na roda, e somente escutar. É preciso contemplar essas pessoas que sorriem e bebem como eu. São alegres como o tempo de cinco dias, o tempo que dura esse encontro. Abrem o livro do Vinícius e sorriem de um poema que ninguém entendeu. E o maranhense, gargalhando, diz: "Ainda se dizia poeta".
Aprendi a fazer massagem na costa corretamente. Igoberto, piauiense, massoterapeuta, estudante de Comunicação, me deu umas dicas. A mão deve ser leve e firme, segura. Descobri o quanto faz bem para quem faz. Sotaque nordestino;"não enxague a mão não quando terminar de fazer. Deixe a água escorrer de suas mãos. Assim a energia de quem foi massageado fica em você." Fazem filas sob minhas mãos. E eu durmo cheio de energia.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Saí

Hoje eu tô indo morrer
em qualquer outro lugar.

Caso telefonarem:
"lhe roubaram o celular".

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Modinha

Ternuras trincam olhos,
tantas podem fazer mal.
Tento esquecer teu corpo,
tonto perco o teu olhar.
Como pode um peixe vivo
viver rijo sem nadar ?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Mensagem

A tua pele nao me deixa dormir
e cada dia sem ti
eh um calor a mais em mim
Vulcao voraz que se faz,
em tua falta, imortal.
Vitima vil do teu ponto final

Coisas que morrem
se morre o teu beijo.
Um desrespeito ao desejo.

Enfim...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Assoreamento

Lagrimas secam
Ainda que nunca, de repente,
Cessem de cair
E como na geografia das aulas
soterrem de terra e barro seco
o peito do besta aqui

Peito assoreado

Quem sabe um novo
tipo de solo e solidao
Parte orgulhosa
Poeira, resto
Que nao compreende o chao
E foge...

Vai embora
Feito lagrimas primeiras
que nao cessam de secar

Feito a mosca que dancou
sobre o rio
assoreado
e voou

E caiu, logo ali,
por culpa da preamar.

domingo, 29 de março de 2009

Passeio de elevador (Abílio Dantas/ Renato Filliato)

Passeio de elevador, meu bem

Você e eu e mais ninguém

Sem saber se ainda pode entrar alguém

O que fazer se abrirem a porta?

Ha ha ha

Pouco importa

Minha mão devagar sob o vestido

Ela dizendo:

- Querido, péra lá!

Minha mão devagar sob o vestido

Ela dizendo:

- Querido...

Nós um só

Um só nós

Um só sentido

Um morder

Um gemido

-Não pára!

Careta, brega

Mais que um amigo

Sem nem poder

Saber como parar

Passeio sem nenhum tipo de dor

Bem diferente do que veio depois

Passar bem pouco tempo a dois

Com quem por todo tempo se quer estar

terça-feira, 24 de março de 2009

Narcisismo

Uma epidemia

Horóscopo

"Anjos de um tempo que ainda não existe"

Definição do site da uol para as pessoas do signo de aquário.

Sem título

tocou e era engano
eu pensei bem que podia ainda ser
tu

tentou falar alguém
e foi em mim

mas foi

sexta-feira, 20 de março de 2009

Mais Itamar

Fim de Festa

Meu amor por você chegou ao fim
É o que devo lhe dizer
Também não precisa sair assim
Espere o dia amanhecer

quinta-feira, 19 de março de 2009

viagem

estrada da vida
ainda pouco
percorridavida
pouco
da estrada
perda aindaperdida
ida poucoperdidainda nadadavida

persiga

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sessão Doces Malditos- Itamar Assumpção

Existem pessoas que mudam nossa maneira de pensar. Outras, nossa maneira de sentir. Itamar Assumpção é do segundo tipo. Depois falo mais dele. Por enquanto, uma letra que eu adoro.

Vida de artista

Na vida sou passageiro
E sou também motorista
Fui trocador motorneiro
Antes de ascensorista
Tenho dom pra costureiro
Para datiloscopista
Com queda pra macumbeiro
Talento pra adventista
Agora sou mensageiro
Além de pára-quedista
Às vezes mezzo engenheiro
Mezzo psicanalista
Trejeito de batuqueiro
A veia de repentista
Já fui peão boiadeiro
Fui até tropicalista
Outrora fui bom goleiro
Hoje sou equilibrista
De dia sou cozinheiro
À noite sou massagista
Sou galo no meu terreiro
Nos outros abaixo a crista
Me calo feito mineiro
No mais, vida de artista

quinta-feira, 12 de março de 2009

A internet e as coisas que dizem dela

A internet não é um milagre. Mesmo para mim, que acredito muito neles, isso é uma certeza. O desenvolvimento das mídias como produtos rentáveis e fôrmas do perfil dos consumidores atuais foi tão grande nos últimos 50 anos que o surgimento de uma ferramenta capaz de um imenso acúmulo de informações não é exatamente uma novidade. Muito menos a globalidade de seu funcionamento. Nada mais natural em um sistema econômico sufocante e esfomeado por lucro como o nosso ,que o condensamento e flexibilidade de serviços, seja de que tipo for. Basta lembar as melancias trangênicas quadradas, crias de laboratórios chineses, desenvolvidas para facilitar o seu transporte e armazenamento.
Interessante lembrar que as dificuldades sofridas durante a Segunda Guerra Mundial atravessarem os limites das trincheiras após o fim do conflito. Todos os bens de consumo considerados indispensáveis hoje, como computador, celular e forno de microondas, nasceram naquele período, impulsionados pela necessidade de se comunicar, guardar documentos e se alimentar da maneira mais rápida possível. O ritmo do capitalismo ditou as novas necessidades e, consequentemente, a consolidação de novas máquinas na vida humana. Portanto, tratar a internet como um achado vindo do nada para facilitar as nossas pobres existências é no mínimo uma posição ingênua.
Que fique claro aqui; não sou contra a internet, de forma alguma. Sem ela a difusão imediata de informações e textos livres, como fazem os blogs, não seria possível. E a minha própria formação individual não seria a mesma.Alguns de meus autores prediletos eu conheci através deles, como Charles Bukowski e Paulo Leminski. O que não aceito é a reprodução de discursos superficiais e preguiçosos, que infelizmente possuem muito espaço na mídia e nas conversas de bar, por mais sinceros que possam ser. É preciso sempre duvidar. "Ai, sem a internet eu não vivo...".Péra lá.

sábado, 7 de março de 2009

Conselho

Não deixem os dias
com cara de cu
invadirem suas vidas,
pois ninguém merece
nem mesmo o início
de um dia horrível
com cara de cu

Versos bonitos numa tarde cinza

rede ao vento
se torce de saudade
sem você dentro

Alice Ruiz

quarta-feira, 4 de março de 2009

Minutos

O moço resolveu não arriscar. Esperou o sinal fechar de novo. Do outro lado o movimento era pouco e as pessoas pareciam temer a cada passo a volta da chuva. Ele queria mais é que caísse de novo e alagasse tudo de uma vez. Uma merda essas poças de brinquedo.

Enquanto esperava e via os carros passarem brilhando do brilho das gotas nos vidros, pensou que não tinha medo. Pensou que poderia sempre fazer o que quisesse. E viu ela chegando e parando, antes de fechar o sinal, do outro lado da rua. Ela também esperava.

Pensou rápido. Ergueu o jornal encharcado de servir de guarda-chuva e mergulhou os olhos, trêmulo. A alta no preço do óleo diesel nunca seria tão útil.

Foi mágico, pois ele não queria, o pescoço e o corpo inteiro erguendo-se em direção à ela. Anos são anos, meu bem, não são dias. Seu braço tentava sozinho sem força abrir-se ao máximo, exibir-se ,vender-se. E o barulho cessou quando o sinal fechou, dos carros, e o do pedestre abriu. Só conseguiu sorrir, sorrir. Mas ela nem notou, eu acho, pois passou sem mais, do mesmo jeito que parou. E foi.

Então a noite pôde descansar as luzes. E a chuva voltou.

terça-feira, 3 de março de 2009

de manhã

Sol nos pés
De manhã cedo:

melhor remédio
para o medo

domingo, 1 de março de 2009

10 motivos para não morrer

1. As histórias que, a despeito de tudo, só nós podemos contar

2. As mulheres que teimam em sonhar em nos comer

3. O disco que alguém vai gravar ano que vem

4. A possibilidade de contar as histórias do primeiro ponto

5. Uma garrafa de absinto

6. O Teatro

7. As conversas que ainda não tivemos, varando madrugadas, com as pessoas que gostamos pra caralho

8. Fazer uma canção alegre com o parceiro melancólico

9. Superar Vinícius de Moraes em número de parceiros musicais

10. Sexo Tântrico

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Acróstico

Tanto faz se é vida (ou minto),

War and love, A e Z...

Infalívelmente, eu sinto

Grandes coisas por você

noite

graças a deus eu não cansei
e lavantei
e bebi o que restou

pus os olhos no ombro
e beijei o pescoço
antes da noite
acabar

dos pêlos eu lembro o suor
e a paz que me veio depois

das vidas eu vi renascer
a dor que amor nenhum traz

só os raios da nova manhã
por trás dessa mesa do bar

nada que valha à pena cantar

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Breado

Fiquei entre o banho
e o caderno
e os poemas

no meio de três dilemas

enquanto pensava escrevi

e quase engasguei, eu não vi,
espuma nas vogais

enquanto pensava lavei-
me, vivi

e não morri mais

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Poema da Naiana

(Bem, pelo que eu saiba esse blog só tem dois leitores fixos: Helinho e Naiana. Resolvi, então, homenageá-los. Amo esse poema, portanto ele é a primeira parte da homenagem. Com vocês, minha querida poetisa maldita.)

XX

Eu odeio não querer
Antes tudo se queria em mim
Qualquer vaga esperança de novos sentidos
Sentimentos, cravado na pele
A paixão de cada um postos em mim.
Meus, integrados em mim

Já não quero
E não querer é a cicatriz
De tudo que quis, sem saber.
Não querer, é preocupação
Já quero, o que quis longe

Agora, adiante, não vou querer mas nada
Saber o que não quero, é próximo da estrada
De saber o que quero
E eu não quero

Naiana Cruz

Trecho do diário amarelo

08/08/08

Que fracasso. Fracassei. Este caderno amarelo era uma tentativa sincera de diário. Diário, no sentido real da palavra. Tudo bem, nem tanto convencional, mas que possuísse uma espécie de continuidade, plenitude, ou outro nome pomposo que o indentificasse como um artefato vivo de idéias. Algo que lhe desse alguma credibilidade, entende?
Queria, de verdade, que ele servisse como uma arma para guerras futuras ou mesmo guerras atuais, ainda que como uma granada reserva. Mas não. Me deixei levar por minha ausência de força. Indisciplina. E hoje nem posso dizer que registro sentimentos aqui. Não, não posso. Apenas criei um guarda-napo encadernado. Uma coletânea de lencinhos para a posteridade. Desprezível. Nada que valha à pena mostrar.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Poema raro (hahaha)

( Esse poema foi escrito logo após o desastre que abalou Belém no ano passado; o desastre de carro que matou seis pessoas na estrada de Salinas. A morte por carbonização de cinco meninas de classe média mexeu com a minha cabeça, além da minha emoção. E deu nisso aí. Espero um dia escrever algo sobre a família do outro carro.)

Sobre as meninas

Ninguém viu que entre os escombros
estavam intactos os cabelos.
Cada um com sua cor natural e tez aflita.
Cada fio ainda vivo e sem risco, a carne
viva. Sobre o cinza do nada aquele brilho.

Não de osso ou de cílios, o pó,
mal-vindo à estrada aquele dia,
era de fina farpa e ironia, salto
novo e alto, e agonia.
Nem rima em si cabia. O pó era
pó, e hipocrisia.
Naquele dia sem mentiras.

Se é destino que detonem
tudo quanto for destino.
Crueldade é quando até
o rubor das maquiagens
escancara o nosso sangue,
frouxo e morno,
e não cessa.

Aí nos vêm a memória
as nossas mortes, nossos botes
de sarna, salva-vidas:
lembra do lixeiro, os buracos
no peito, a maria e os irmãos
naquele assalto, quando o homem
do quinto caiu,
e por aí se vai...

Mas estas tinham tudo.
Tinham tudo.
Então já é demais.
A dor não cabe na pele.
Nem na pauta dos jornais.
Vai nos sonhos e nos bolsos.
Nas piadas e nos fatos.
E ocupa o seu lugar.

Em todos um pouco, um tanto.
Dói. Pois de todos vai um pouco,
mesmo suspiros
no minuto de intervalo.
Mesmo somente a certeza que
é isso mesmo, meu bem.
Vire a folha e passe bem.

Meninas ricas e bonitas.
Meninas, ricas e bonitas.
Nem tanto, mesmo sendo,
ricas e bonitas,
mas meninas.
Meninas.
Ricas e bonitas.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

tremor

eu tremo quando beijo
o meu amor
e rezo que não seja
só nervoso e ardor

mas sim um novo vírus demais:
devastador

e torço pra que vire epidemia

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Amor (bláááááá´)

I

Da primeira vez
primeiro eu quis
cantar, morar
num chafariz...
E ser o tipo
mais feliz
que se pudesse
encontrar.

Até criei
um novo jeito
de caminhar.
Passava a perna
antes de andar
sobre um cone
amarelo, muito
bem feito e belo,
e que não estava lá.
Subia o nariz, metido,
e abriu um sorriso,
desses do jeito que agente
só faz quando
está sozinho.
E ia.
Esquecendo até a rima
que fazia

II

Da segunda, já não era mais
calouro
nessas coisas que o mundo cria
pra gente viver.

Quase que não deixo nada
acontecer.
E perco
aquilo quera tudo
que não queria perder.

E nessa vez é que agora
ainda vivo.
Sem querer passar.
Curtindo o beijo no ombro,
que no fundo,
isso é.

Só um beijinho no ombro,
discreto.

Não é?

engano

a susy ligou atrás do vítor
mas por seu azar
quem atendeu fui eu
e também não existe
ninguém com esse nome
que more aqui

cara susy, se tu
me acordares de novo
atrás desse filho da puta
eu juro que digo
que sou ele

aí vais ver a merda,
viu vítor?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A Nova Construção - um novo shoppinng nasce. e daí?

Enquanto as atividades do Fórum Social Mundial se encerram, um novo shopping center é construído em Belém. Seu corpo não é apenas mais uma silhueta no céu da cidade, em meio ao calor e a fumaça da avenida onde os homens trabalham. No tempo de uma chuva o prédio cresceu. E os olhares de espanto já começam a diminuir. Os guindastes amarelos, antes vistos como gigantes intrusos na paisagem, dividem quase que harmoniosamente as atenções com os pedintes e arranha-céus. Antes estes mesmos eram intrusos, mas já vai longe este tempo. Agora é preciso seguir, fechar os olhos para a poeira que vêm da construção, e atravessar com cuidado.
Nas ruas Ó de Almeida e Aristides Lobo a placa de "homens trabalhando" adverte que o pedestre deve, definitivamente, abrir mão de andar na calçada- mesmo que há tempos esta já esteja reservada para carradas de areia e cimento- e esperar até que os novos dirigentes da rua terminem sua lavagem de mangueira; afinal, mesmo aqui é preciso limpeza e os trabalhadores se empenham. Enquanto na surdina mais um metro de calçada vira parte do mais novo lugar. Os moradores do bairro? Bem, espero que as lojas não sejam tão caras. A prefeitura? Talvez, meu caro, daqui a quatro anos.
Ao meio dia é o intervalo. As marmitas de papel de alumínio chegam dos sacos plásticos em bicicletas cargueiras e se sentam no meio fio. A alegria nos rostos, misturada ao sol e ao pó, anuncia mais um dia de suor terminado. Agora virá a tarde e depois a noite, e a madugrada enfim. São outros os homens mas o barulho é o mesmo. O som de ferro e ponteiro, e mais um ou dois sorrisos. É possível ouvir sorrisos. Em volta a cidade cala. Imagina-se a data da entrega. A cidade segue, e atravessa a rua com cuidado.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Mário Quintana

"Um santo?

São Jorge, seu cavalo e o dragão.

Sou devoto dos três."

domingo, 18 de janeiro de 2009

O Blues

O diabo se encondeu

na plantação de algodão

e detonou atrás do arbusto

a virgem filha do feitor.



Então, prá não dar

bandeira, e o barulho

não vazar,

inventou o tal do blues

(notas e letras azuis)

antes da moça gozar.

Camiseta de Rock

Pára, pensa
e analisa:

O que faz
um homem
sem blusa
na tua
camisa?

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Terra da Garoa ( que não passa de uma chuvinha moleca)

Hoje é meu último dia de São Paulo. Olho as ruas, os carros, e o céu que desvia do concreto, como alguém que matará a saudade apenas por filmes e comerciais durante muito tempo. Gostei desse lugar. Ouvi alguém falando no rádio que as cidades também tem signo. Belém é de capricórnio, por isso é racional e pessimista; 12 de janeiro. Não sei se acredito, mas São Paulo é de aquário. 25 desse mês. É uma cidade estranha; um clima de desapego, de solidão, de individualidade, mas que de uma hora pra outra pode te dar um dia inteiro de ternura, de paixão, de beleza.
Os grafites nos muros falam muito mais que qualquer livro de história. Vi um, num viaduto, que tinha a cara do Adoniran Barbosa, uma caveira perguntando "ser ou não ser?", e a frase "o grafitte é chato como você". Tudo isso numa só parede. Nessa hora eu entendi que São Paulo era mesmo aquilo ali, não importa o que dizem os moradores de nascença, os taxistas doutores, e os nordestinos com sotaque. O barulho, a grandeza e um certo sorriso de dentes sujos.
Gostei desse lugar.