terça-feira, 29 de dezembro de 2009

carlton red

o pior dos cigarros
não é a tosse
não é o preço do maço
não é o cheiro
não é a chama
não é o risco de queimar
não é o fósforo escasso
o pior dos cigarros
não passa pelo olhar
estranho dos outros
não são os desenhos
em câmera lenta
os desenhos feitos de algodão
que escapam da boca
e sobem no ar
não é o fedor
noite a dentro nos dedos
e o gosto de vício
no fundo da língua
e o gosto de vício
sobre a saliva

o pior dos cigarros
é o pior
do olhar de uma mulher
o maldito instante
em que ele é preciso
o imenso segundo
em que só ele
mais nada
é capaz de nos trazer
abrigo e nos fazer
comida
o pior
é não poder
enganar
é não poder
mentir
exatamente como
aos olhos
de uma mulher

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Pequena Cena para Teatro

Calçada em frente de um bar. Belém, 03:24 no relógio. O bar é desses fechados, que tem ar-condicionado.
Uma moça um pouco embriagada sai do lugar para fumar. Após tirar, com alguma dificuldade, o cigarro da carteira, ela nota a presença de um homem sozinho encostado num poste, bem em frente do bar.

Moça: Tem fogo?
Homem: Não (sério)
Moça: (o olha bem, dos pés a cabeça) Poxa, eu não acredito que não tens fogo.
Homem: (finge não escutar e olha o relógio do celular)
Moça: (fala com o cigarro apagado entre os lábios) Não se fazem mais homens como antigamente. Hoje em dia, só nos filmes mesmo. Só nos filmes.
Homem: O quê que só-nos-filmes?
Moça: Tu não costuma ver muitos filmes, né? (o cigarro ainda entre os lábios)
Homem: Vejo pouco
Mulher: Pois é, dá pra perceber. Hoje em dia (suspira), só nos filmes mesmo.
Homem: Nos filmes que eu vejo pessoas desconhecidas não ficam perdendo tempo batendo papo em frente de bar.
Moça: Então não viste os melhores (ela ri). Nos filmes que eu vejo, basta uma mulher fazer um pequeno gesto de quem vai tirar um cigarro da bolsa e um batalhão de homens se jogam no balcão. Um exército de isqueiros prateados nas mãos. Os olhos sedentos pra ver ela fumar.
Homem: É, tem razão, não me lembro de ver esses filmes. Mas também não faço questão. Não gosto de cigarros e ...
Moça: (interrompendo) Puta que pariu! Não gosta de cinema, não gosta de cigarro. O que tu tá fazendo aqui, hein? Na área de fumantes (solta uma risada longa)? Devia tá lá dentro, bebendo um Ice (mais uma risada). Ah, já sei, tá esperando alguém?
Homem: (cabisbaixo) É, tô esperando.. uma pessoa.

(continua)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nas noites

Nas noites são sempre
de força as minhas camisas.
Embora o meu corpo seja brisa.
Embora o teu corpo seja brasa.
Nas noites é sempre difícil
estar em casa.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Três versos

Não se faça de boa amiga
Que a vida, querida
Revida

Gênese

O amor moldou o mundo o amor mandou na casa o amor mamou nas asas
perdido em pleno ar

domingo, 13 de dezembro de 2009

amemos a pele do diabo

amemos a pele do diabo
que habita o subterrâneo de nós
e acendamos velas e janelas
aos arcanjos da vontade
sejamos os demônios da bondade
ao brindarmos aos cílios do desejo
ao lambermos as beiras do abismo
aos bricarmos em cima do cinismo
dancemos nas vidas a menos
pingadas dos medos dos dias
dancemos bem loucos, dancemos
ao menos nas festas mais frias

rimas e rumos traguemos
para enfeitar a estrada
bom nos armarmos de remos
caso a maré venha braba
sejamos o passo na calada
e o cão que pariu o amanhecer
a mão que moldou a escada
e o chão que não pode descer
sejamos o preço do avesso da verdade
sejamos os demônios da bondade
e esqueçamos de morrer

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Alguma embriaguês

Em certa medida, alguma embriaguês,
que traga o que não trago em mim,
quem sabe um trago
ou dois
me traga.

Certa embriaguês na cara
que traga o que não trago em mim

Para desenferrujar

Costumo dizer que o mês de dezembro traz um clima europeu para esta cidade. O céu acorda como se tivesse sido bombardeado por aviões alemãs na madrugada e o pó cinza, que antes era o vermelho dos telhados das casas, banha inteiramente as nuvens. Apesar disso, o solzinho macho insiste em aparecer, sabia? Saio de casa admirado com esse sol.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

tempo...tempo...tempo

Tempo tempo, mano velho, vê lá o que vai fazer com o meu olhar. É que hoje acordei me olhando no espelho do ônibus e vi o enquanto exergo melhor hoje em dia. Aos oito anos de idade eu já tinha mais de dois graus de miopia. Posso dizer que passei praticamente toda a minha infância em mundo embaçado, como se tudo fosse uma vidraça dessas de fusca no meio de um monstruoso temporal, desses temporais que caem na estrada quando voltamos de um canto qualquer pra Belém. Tá certo que uso lentes de contato; oito e meio e nove ,cada uma, respectivamente. Astigmatismo e miopia. Mas hoje pelo menos eu posso ver meu corpo e ver a borda enquanto tomo banho de piscina. Hoje eu posso ver de longe as pessoas que quero ver.