segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Separação

Ele- Será que tá fazendo frio em Santa Catarina?

Ela- Não sei.

Ele- Tô colocando na tua mala os meus casacos. Naõ servem pra nada aqui em Belém e eu nem sei...

Ela- Não faz isso não. Se tiver frio, eu compro outros lá.

Ele- Tem certeza? Mas e se no aeroporto já tiver frio? E se no avião fizer um frio desgraçado?

Ela- Eu não quero levar os teus casacos.

Ele- Eu quero que tu leves os meus casacos

Ela- Eu não posso levar os teu casacos.

Ele- (silêncio)

Ela- Que horas são?

Ele- Tem pouca coisa na tua mala. Porquê não ficas mais uns dias? A gente pode comprar coisas novas pra tu levares. Cd´s, livros... Aí não vai doer tanto quando fores reler os livros que te dei.

Ela- Eu preciso ir. E na casa da minha mãe em Santa Catarina...

Ele- Vai ser duro, viu? Abrir aqueles livros e ler as minhas dedicatórias.

Ela- Acho que não vai ser tão ruim assim.

Ele- Talvez.

Ela- Ontem eu pensei em ficar.

Ele- Sério? Mesmo depois de tudo que a gente disse e tal...?

Ela- Foi. Mesmo depois de tudo que a gente disse. Acho que me deu medo, sabe?

Ele- Sei. Eu também tô com medo.

Ela- Que horas são?

Ele- Posso abrir uma garrafa de vinho que sobrou de ontem? Acho que dá tempo.

Ela- É, acho que sim.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

pequeno retrato

quase morto
o morto
sorriu
por entre as mãos
do próprio corpo

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Frase de efeito

apaixonar-se é estar imundo de coisa viva

Enigma

as mulheres não passam de pistas

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O pulo

de cima
ele pensou
que se pulasse
era um pulo só
e era um só mergulho
e tudo de inferno que havia
nos dias escrotos de agora
nada mais seria que a vida que deixou
nada mais que o presente não entregue para alguém
nada mais que a fome vermelha na língua de um cão pálido e morto há três anos atrás

seria um pulo só, ele pensou, e acendeu o último cigarro do fundo do bolso
um pulo que abriria um nova garrafa de alguma coisa banhada de sonho
um pulo que seria mais ainda que os gritos e as cores coloridas de um orgasmo múltiplo
ah, um pulo como um solo de guitarra desesperadamente barulhento e belo
o resultado espontâneo de uma leve e rápida flexão dos dois joelhos
um ponto final de uma vida tendo o céu e as nuvens como cúmplices fiéis

bastaria que pulasse para que largasse o cabresto da melancolia
para que os demônio descessem da vigília e viessem também jogar baralho
para que os demônios mudassem de lado e se declarassem anjos ateus
bastaria um simples pulo para que os amores queimados virassem adubo de jardim japonês
somente um pulo para que todas as canções sem vida fossem puro e completo Sérgio Sampaio
um pulo simples para que as mulheres soubessem que, apesar de tudo, nós nunca deixaremos de amá-las
para que as tardes de taras perfeitas se proclamassem o maior e mais rico tesouro da humanidade
para que os suores de dois corpos juntos fossem muito mais ouvidos que os chamados de concursos públicos
e mais propalados que a falsa e ingênua idéia de que fomos feitos para alimentar nossas contas bancárias e estatísticas de felicidade
bastaria um pulo para que mundo deixasse de bancar o burro e decidisse, finalmente, gozar dentro.

de cima
ele pensou
que um pulo o deixaria mais vivo
sem dúvida mais amigo e mais solto
muito mais forte e bonito e muito menos insosso
talves até pudesse sair pra sempre do fundo daquele poço

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

o fim de uma viagem

dizem que insolação é uma coisa ruim
dizem que dói como se a pele queimasse por dentro
dizem que mata o prazer que o tato é capaz de trazer
dizem que é a vingança do rosto sobre as cores do sol

eu não sei

mas tinha um menino na volta da viagem
um menino deitado no banco do barco
um menino vermelho que urrava no choro
que sabe e pode dizer melhor do que eu

ele era a própria dor

a irmã tinha pena e preferia olhar o mar
a mãe tinha pena e penteava os cabelos
eu tinha pena e buscava ver o vento
o mar tinha pena e apenas o levava