quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O pulo

de cima
ele pensou
que se pulasse
era um pulo só
e era um só mergulho
e tudo de inferno que havia
nos dias escrotos de agora
nada mais seria que a vida que deixou
nada mais que o presente não entregue para alguém
nada mais que a fome vermelha na língua de um cão pálido e morto há três anos atrás

seria um pulo só, ele pensou, e acendeu o último cigarro do fundo do bolso
um pulo que abriria um nova garrafa de alguma coisa banhada de sonho
um pulo que seria mais ainda que os gritos e as cores coloridas de um orgasmo múltiplo
ah, um pulo como um solo de guitarra desesperadamente barulhento e belo
o resultado espontâneo de uma leve e rápida flexão dos dois joelhos
um ponto final de uma vida tendo o céu e as nuvens como cúmplices fiéis

bastaria que pulasse para que largasse o cabresto da melancolia
para que os demônio descessem da vigília e viessem também jogar baralho
para que os demônios mudassem de lado e se declarassem anjos ateus
bastaria um simples pulo para que os amores queimados virassem adubo de jardim japonês
somente um pulo para que todas as canções sem vida fossem puro e completo Sérgio Sampaio
um pulo simples para que as mulheres soubessem que, apesar de tudo, nós nunca deixaremos de amá-las
para que as tardes de taras perfeitas se proclamassem o maior e mais rico tesouro da humanidade
para que os suores de dois corpos juntos fossem muito mais ouvidos que os chamados de concursos públicos
e mais propalados que a falsa e ingênua idéia de que fomos feitos para alimentar nossas contas bancárias e estatísticas de felicidade
bastaria um pulo para que mundo deixasse de bancar o burro e decidisse, finalmente, gozar dentro.

de cima
ele pensou
que um pulo o deixaria mais vivo
sem dúvida mais amigo e mais solto
muito mais forte e bonito e muito menos insosso
talves até pudesse sair pra sempre do fundo daquele poço