sábado, 15 de novembro de 2008

Boni

O cão caiu da escada. São lançadas as hipóteses. 1. Está velha, a bichinha, tadinha. Dez anos é muito pra um cachorro e ela já anda calada faz tempo. 2. Escada maldita. Anda derrubando todo mundo. Sabia que outro dia eu também caí? Quase me espatifei. Vai ver é só urucubaca. Reza forte e banho de cheiro resolve. 3. O chão devia estar molhado, é claro. Ela só escorregou. Sorte que não aconteceu nada.
A menina saiu como uma louca correndo ao ouvir o barulho do baque. Gritava meu deus o que foi que aconteceu, enquanto pensava se um pano molhado servia pra alguma coisa nessas horas, e numa cachorra. O desespero da menina se explica; tem quase a idade da vítima, um pouco mais velha. Cresceu ouvindo e vendo a outra, seu outro lado. E os outros dizendo, ela veio contigo pra cá. O desespero aumentou ao ver o corpo jogado, todo torto. Mas deixa de escândalo, que ela tá bem.
Os olhares de pena começaram tímidos. Primeiro pelo jeito de quem pede desculpas da cadela ao se levantar, depois na humildade e resignação dos hábitos, como se nada tivesse acontecido. Se é conosco, uma queda é assunto pra quase um mês. Nem que tentando disfarçar. Mas nela não, durou só o tempo da dor. E isso ficou como coisa frágil. Coitada dela, nem sofrer sabe direito. Está ficando velha.
É melhor que suma quando morrer. Pois não vai poder mostrar o quanto nada disso importa. E é melhor nem tentar para não nos assustar. Boni sabe o quanto precisamos que alguém, de vez em quando, caia da escada. Não nos contraria. Ela se limita em dormir e às vezes me olhar, agora, enquanto escrevo.

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