terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Cantiga para um amigo distante (ou seria um blues?)

Tenho um amigo que sempre me convence de que ainda é possível contar histórias diferentes e mover a cabeça num ritmo que não seja o do abrir e fechar das telas dos computadores portáteis e dos passos monocromáticos que nos levam sempre aos mesmos lugares todos os dias e pegando os mesmos ônibus em que o cobrador nos olha, mas não nos vê. Faz tempo que não vejo esse meu amigo desde que ele viajou com a namorada para São Miguel do Guamá entregar a carta de uma avó falecida para um tio foragido da polícia. A última vez que falamos foi pelo telefone. Ele disse que estava bem e muito feliz pelo do Dia dos Namorados, pois passou o dia inteiro num motel com sua menina bebendo uma garrafa de vinho e uma garrafa de vodka e fumando cigarros americanos novos encontrados no vão de um banco da rodoviária e tudo estava tão bom que se esqueceram de foder. Ele ria bastante e eu quase chorava de rir. Meu amigo tem um jeito fantástico de contar suas histórias. Suas rugas precoces localizadas no canto dos olhos se esticam quando sorri como um fio de chiclete ou um barbante, um varal infinito. E ele vive sempre as coisas que conta como um sanfoneiro nordestino sem sanfona e sem rima. O conheci no ano de 2005 à beira de uma piscina enquanto falava de livros que nunca leu. Discutimos Marx sem termos lido. Soube na hora que éramos irmãos. Um grande mentiroso sempre reconhece outro e é difícil conter a felicidade. A mentira nos une de um jeito leve e inocente apesar de sabermos também fazer silêncio quando sabemos que um dos dois fugiu à regra e contou verdades como no dia em que me contou que tem um filho ou uma filha com uma moça que foi empregada doméstica em sua casa. Ficou surpreso quando viu o menino, mas foi embora como entrou: as mãos nos bolsos, sem um tostão, e a dor de cabeça terrível bem na esquina do crânio. Foi esse meu amigo que me mostrou a beleza do barulho das noites na ciclovia da Almirante Barroso e que correu comigo na madrugada com medo de sermos confundidos com meninos que quebravam os carros estacionados na Angustura. Foi ele que bebeu uma garrafa de plástico com Fanta Laranja e cachaça ao mesmo tempo em que colocava cinzas no mesmo gargalo. Sinto falta dos elogios que faz a mim e da crença na amizade como um viciado. Acho que é uma das poucas coisas em que ainda acredita, além do Rolling Stones e do pequeno quadro em preto e branco da Elis Regina na parede de sua casa, é claro. Também ama as mulheres. Têm poemas belos.

Abra os olhos e veja

Homens de quatro na rua

E cães bebendo cerveja.

Espero que esteja bem e traga uma lembrança pra mim de São Miguel. Seu nome é Daniel, mas o chamam de Paco. Mande lembranças quando puder, filho da puta.

Um comentário:

Marta Martins disse...

Me bateu uma nostalgia do meu blog, e eu resolvi parar pra ler as coisas que escrevi em 2009... Acabei lendo um comentário teu e me lembrei: “Puxa, eu gostava do blog do Abílio”
Passei aqui e li esse texto
Lestes Jack Kerouac há pouco tempo ou é impressão minha? Esse texto ta MUITO no estilo de “On the road”. Por um instante tive a impressão de que estava lendo algum trecho transcrito do livro aqui no teu blog.
Beijos.